E logo disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo e vê as
minhas mãos; chega também a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo,
mas crente..."
João 20.27
Devemos ao
Evangelho de João a maior parte das informações bíblicas que temos acerca desse
que é conhecido como o discípulo da incredulidade. O termo
hebraico Tomé significa Gêmeo, assim como a palavra grega
Dídimo, pela qual o apóstolo também era chamado (Jo 11.16, 20.24, 21.2).
As freqüentes
alusões a Tomé, da parte de João, podem ser um sinal de que o evangelista o
conhecia anteriormente ao discipulado, já que ambos eram procedentes do mesmo
lugar (embora algumas tradições apontem Antioquia da Síria como lugar de origem
de Tomé). A passagem de Jo 21.1-4, onde o vemos pescando no Mar da Galiléia, em
companhia de Pedro, Natanael e dos filhos de Zebedeu, durante a terceira
aparição do Cristo ressurreto, sugere que Tomé também exercia esse ofício,
tradicional dos moradores daquela região. Diante dessas circunstâncias,
torna-se justificável pressupor a existência de uma amizade entre Tomé e João.
Uma personalidade
marcante
As referências
bíblicas a Tomé, conquanto sejam mais numerosas que as da maioria dos discípulos,
são insuficientes para uma diagnose precisa de sua personalidade,
excetuando-se, naturalmente, as narrativas que deixam transparecer certos
traços de pessimismo e incredulidade em seu temperamento.
Um repente de
coragem ou apenas uma colocação irônica? Não sabemos com certeza. Talvez, mais
do que qualquer um desses extremos, o convite de Tomé revele uma natureza
ansiosa e inquieta que lhe valeu, mais tarde, o peso de um estigma que os
séculos não apagaram.
Alguns
comentaristas bíblicos vêem no episódio da noite em que Jesus foi traído outro
indício da tão propalada incredulidade de Tomé. Na ocasião, enquanto o Mestre
consolava os corações aflitos de seus seguidores, mostrando-lhes que estava
prestes a lhes preparar lugar junto ao Pai, Tomé ansiosamente o interrompe (Jo
14.5).
Mas, por onde
andaria Tomé quando algo tão importante se sucedia em sua pequena comunidade?
Sua ausência é registrada nas Escrituras (Jo 20.24), mas não justificada já
que, para um discípulo de Cristo, vagar pela alvoroçada Jerusalém naquele
momento era algo que envolvia certo risco. Basta considerar a delicada
situação em que Pedro se viu envolvido poucos dias antes (Mt 26.58, 69-75), ao
seguir seu Mestre à distância, até as cercanias da casa de Caifás, onde se dava
o julgamento. O fato de o simples sotaque galileu ter imediatamente despertado
contra ele suspeitas de cumplicidade com o acusado, demonstra bem o clima de
hostilidade a que os seguidores de Jesus, de maneira geral, estavam sujeitos
naquela ocasião.
Se Tomé ausentou-se
do refúgio a despeito de todo risco que isso implicava, é certo que teve
razões para fazê-lo. Primeiramente, pode-se presumir uma crise interior
enfrentada pelo apóstolo, diante do desmantelamento de sua estrutura emocional,
em face da frustração de suas expectativas. E provável que o choque daquela
realidade inusitada tenha requerido de Tomé algumas horas ou mesmo dias de
isolamento, na busca de uma reflexão que emprestasse sentido a tudo aquilo que
subitamente lhe sucedera. O peso dos anos investidos em seguir Aquele sobre quem
depositara sua esperança e seus projetos de futuro, pode ter despencado com
todo vigor sobre Tomé naquele momento. Daí a busca por um momento de solitude.
Mas devemos
considerar também a possibilidade de que essa histórica ausência do apóstolo se
tenha dado por uma razão muito simples e corriqueira. Tomé poderia, por
exemplo, ter sido escalado para providenciar os mantimentos necessários para a
subsistência dos discípulos, então refugiados. Isso teria feito com que Tomé
se ausentasse dos demais por um razoável período de tempo, visto que essa
tarefa deveria ser conduzida de maneira a não levantar qualquer suspeita sobre
sua ligação com o Nazareno.
Quaisquer que
tenham sido as razões que justificaram sua saída, o fato é que nosso apóstolo
não presenciou o glorioso momento na manifestação de Cristo a seus companheiros
naquele domingo. Não testemunhou Suas pisaduras, nem tampouco pode ouvir as
explanações sobre as profecias que nEle se cumpriram. A partir daquela tarde,
todos os que compunham o círculo íntimo de Jesus, de um modo ou de outro, já O
haviam contemplado ressuscitado. Exceto Tomé.
A análise das
circunstâncias que envolveram o ceticismo de Tomé sobre a ressurreição de
Cristo diante do testemunho de tantos amigos nos leva a reconhecer que o
apóstolo acabou estigmatizado pela incredulidade e pela descrença não por ter
sido o único dentre os onze a duvidar, mas por ter conduzido seu ceticismo a um
nível de detalhamento e impertinência sem paralelo nos corações dos demais
discípulos. Em contrapartida às declarações de seus amigos que jubilosamente
lhe diziam "Vimos o Senhor" (Jo 20.25), Tomé
resolutamente estendia suas exigências, sem as quais jamais engrossaria a
fileira dos que creram. Para a mente racionalista de Tomé, cercar-se de tantos
cuidados naquele momento tinha sua razão: não teriam o estresse e a forte
pressão psicológica daqueles dias afetado os sentidos dos discípulos, a ponto
de transformá-los em alvos de alucinações arrebatadoras? Como uma miragem para
o sedento no deserto, esses testemunhos não refletiriam um delírio causado pelo
desejo incontrolável de reverter aquela desalentadora realidade? Aos olhos de
Tomé, como que por contágio, aquele "mal" parecia ter rapidamente se
disseminado desde o coração de Maria Madalena até os impetuosos Pedro, Tiago e
João.
As missões de Tomé
ao Oriente aparecem também citadas no manuscrito Atos de São Tomé na
índia, uma das mais antigas referências sobre o assunto, cuja produção
data de fins do século II. De acordo com essa narrativa, os apóstolos dividiram
o mundo entre si, visando equacionar os esforços evangelísticos a serem
empreendidos. Feita a partilha, Tomé é designado à longínqua e desconhecida
índia. Revoltado com a escolha, o apóstolo nega-se a aceitar o compromisso.
Jesus, então, aparece-lhe em visão e confirma sua vocação para o Oriente. Como
permanecesse irredutível, o Senhor permitiu que Tomé fosse tomado e vendido
como escravo ao mercador indiano Aba-nes, que o conduziu à índia em cumprimento
aos desígnios divinos. Posteriormente, contudo, Tomé reconhece a direção
divina naquela escolha e rende-se à parte que lhe fora proposta no ministério,
tornando-se célebre por sua significativa colheita de almas na índia.
As relíquias e o
túmulo de Tomé
Se os relatos que
tratam da rota apostólica de Tomé se apresentam, freqüentemente, confusos ou
mesmo contraditórios, o mesmo se pode afirmar das lendas referentes ao destino
de seus restos mortais.
João Crisóstomo,
monge e Patriarca de Constantinopla (séculos IV-V), foi um dos primeiros a
mencionar os restos do apóstolo Tomé. Embora não defina claramente o local,
Crisóstomo afirma que a túmulo do discípulo encontrava-se junto aos de Pedro e
Paulo. Presume-se que Crisóstomo estivesse se referindo a Roma, uma vez que a
tradição que liga o túmulo de Pedro àquela cidade já se encontrava
definitivamente estabelecida no século IV.
Comentando sobre o
tema em sua obra The Traditions of Saint Thomas Christians (As
Tradições dos Cristãos de São Tomé), o Dr. Mundadan acrescenta.
"De acordo com
os Atos de Tomé, antes de A.D. 200 A.D. os ossos do apóstolo devem ter sido
removidos para o ocidente. Algum tempo depois do suplício e do sepultamento de
São Tomé, o filho de Mazdai, soberano da região em que o apóstolo foi
martirizado, caiu enfermo. Na tentativa de curar seu filho expondo-o às relíquias
do apóstolo, o rei abre o túmulo de Tomé, mas não encontra seus restos
'porquanto um dos cristãos locais secretamente os tomou e os conduziu ao
ocidente'."
A lenda continua,
afirmando que embora Mazdai, em sua busca desesperada, tenha encontrado vazia
a tumba, determinou levar consigo uma pequena porção da terra do sarcófago
para, logo a seguir, derramá-la sobre o príncipe moribundo, na esperança de que
a virtude curadora de Tomé ainda se manifestasse. Com o restabelecimento
miraculoso do jovem soberano, toda a realeza teria, então, se convertido ao
evangelho.
A julgar pela
diversidade das narrativas tradicionais, é certo que Tomé exerceu um dos mais
dinâmicos, extensos e profícuos apostolados dentre os doze. O teor fantasioso
com que o apócrifo Atos de São Tomé retrata a visita do rei
indiano Gondofares a Tomé é um bom indicador da admiração e do respeito com que
os cristãos primitivos eternizaram a obra desse memorável discípulo de Jesus.
"Trouxeram
óleo e acenderam as lâmpadas, pois já era noite. Eis, então, que o apóstolo
levantou-se e, com grande voz, orou sobre eles, dizendo: 'Paz seja convosco, ó
irmãos.' Eles ouviam sua voz, no entanto não podiam ver sua forma, uma vez que
ainda não tinham sido batizados. O santo, então, tomando óleo em suas mãos,
ungiu suas cabeças e orou, dizendo.
'Vem , ó Nome de
Cristo, que é sobre todo o nome!
Vem ó Nome, que é
santo, exaltado e rico em misericórdia!
Faze vir sobre nós
a Tua misericórdia!'"
Mais que pelos seus circunstanciais
momentos de dúvida, a tradição cristã nos assegura que Tomé mostrou-se digno de
ser lembrado pela posteridade como aquele que não temeu expor sua própria vida
aos perigos e privações da carreira apostólica. Seu fim, violentamente
perpetrado pelos inimigos da fé, é prova inconteste de como a fé e a confiança
no Nome de Jesus se tornaram os ditames de seu ministério.
FONTE: Doze homens e uma missão / Aramis C.
DeBarros.
Fonte Web:
http://assembleianospuritanos.blogspot.com.br